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Dona Maria Teixeira: ensinando a tecer a vida

Do alto de seus 80 anos, dona Maria Teixeira conserva no sorriso tímido a alegria e o senso de humor ao relembrar junto ao neto Lucinei os divertidos causos da mocidade. Filha do seu Arvilino e da dona Cândida – ou Cãida (em memória), cresceu em Ibiraquera em um tempo que na rua só passava carro de boi e aranha (charrete de quatro lugares) e a luz vinha do fogo nas latas de querosene.
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Natural dos Teixeira, ou da Ibiraquera, uma personalidade da nossa região

Do alto de seus 80 anos, dona Maria Teixeira conserva no sorriso tímido a alegria e o senso de humor ao relembrar junto ao neto Lucinei os divertidos causos da mocidade. Filha do seu Arvilino e da dona Cândida – ou Cãida (em memória), cresceu em Ibiraquera em um tempo que na rua só passava carro de boi e aranha (charrete de quatro lugares) e a luz vinha do fogo nas latas de querosene. “Mas era um tempo muito bom”, recorda. A família vivia da pesca e da roça de mandioca. Para vender o peixe e o camarão, dona Maria ia de aranha puxada pelo cavalo até o centro de Imbituba, nas portas da antiga cerâmica às 11h, quando os funcionários saíam do trabalho. “O dinheiro tinha mais valor”, conta.

Dona Maria tinha nas mãos a destreza de fazer linha de Tucum, desfiando a fibra da folha da palmeira tal e qual os índios dessa região ensinaram. O trabalho não era nada fácil: primeiro tinha que desfiar a folha madura, tirando um cabelinho fino da planta. Levava uma semana para encher um balaio – entre causos e adivinhações – e no fim da empreitada, os dedos ficavam verdes como a própria planta. Dali, ia torcendo os fios para deixar num só, mais resistente. “Aí já ia mais de mês”, lembra. Por último, o novelo ia sendo aos poucos passado para a roda de madeira com a ajuda do fuso, emendando os fios uns nos outros e criando o novelo de tucum que faria tarrafas e redes para trazer o sustento da família. Os chumbos eram costurados com areão. Depois de pronta a tarrafa, era aconselhado lavá-la na tintura de aroeira para que ficasse mais resistente, durando uns 4 ou 5 anos de uso. 

Verso e rima

Durante todo o processo, dona Maria ia cantando e dizendo versos que aprendeu com sua mãe. Não lê e não escreve, mas conserva na memória e na ponta da língua o conhecimento oral passado de geração em geração. 

O sol prometeu para a lua 

Uma fita de bicor

Quando o sol promete prenda

Quem dirá nós dois, amor?”

Assim criou os seis filhos ao lado do esposo Guilhermo (em memória): Manuel (Maneco), Mauro, Marcelino, Margarida, Marlene e Marli. Todos em meio à tradição da pesca. Também é avó de 19 e bisavó de 14. Casa sempre cheia, de amor e de histórias. 

Uma tarrafa para Cascaes

A modernidade foi chegando e trouxe para a pesca o fio de nylon, deixando a linha de tucum para trás. Mas 50 anos depois, dona Maria foi convocada para uma importante missão: ajudar a reconstruir a tarrafa de tucum da exposição “Pesca Artesanal” do acervo de Franklin Cascaes, de Florianópolis. O museólogo Gelcí José Coelho “Peninha” bateu na casa da família em 2008, indagando se ali morava uma senhora que sabia fiar o tucum. Conversa vai, conversa vem, dona Maria aceitou ser registrada enquanto explicava todo o processo para o documentário “Uma Tarrafa para Cascaes”, vencedor do prêmio Cinemateca Catarinense da Fundação de Cultura. O neto Nei foi quem fez a miniatura da tarrafa, às margens da Lagoa de Ibiraquera. 

A obra de Cascaes ganhou de volta a sua miniatura de tarrafa de tucum e a arte de tecer de dona Maria Teixeira ficou eternizada através da tecnologia no filme, e pode ser assistida em qualquer tempo Youtube.  

Legenda foto5: As quatro gerações da matriarca: a filha Marli, a bisneta Luiza e o bisneto Wellington e o neto Nei

Dona Maria Teixeira nasceu em Ibiraquera em 27 de março de 1939

Por Glaucia da Rosa Damazio