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Gastronomia sustentável: Por que o leite de vaca está saindo de moda na culinária

leite de vaca
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A intensa procura por alternativas vegetais e cereais aos produtos derivados de leite bovino mostra a mudança no comportamento no setor de gastronomia

É cada vez mais comum chegar em uma cafeteria e, em meio às delícias que saltam aos olhos, encontrar opções sem lactose, veganas ou ainda a simpática frase “consulte opções com leite vegetal”. Tais alimentos já mostraram que vieram para ficar: entre 2015 e 2020 os produtos vegetais expandiram em quase 70% o seu faturamento global, segundo dados da Euromonitor International

Mas por que o mercado à base de plantas está crescendo? As razões são diversas: desde o aumento expressivo do número de pessoas com sensibilidade, intolerância e alergias aos derivados do leite até as escolhas mais políticas, como a proteção ao meio ambiente e ao bem-estar animal.

Impactos da produção de leite no meio ambiente

A pecuária leiteira é intensiva e mecanizada. Quem já visitou uma grande indústria de produção, sabe que as vacas são mantidas confinadas a uma baía onde recebem comida, em vez de pastarem livremente. Elas ainda são inseminadas artificialmente e produzem quantidades enormes e não naturais de leite. O bem-estar animal ou sua ausência é um aspecto preocupante, quando é sabido que esses animais vivem em espaços apertados, gerando problemas de saúde, mau cheiro resultante do estrume e ainda causam poluição do ar e da água, já que para produzir um único galão de leite, são necessários 144 galões de água. 

A produção de leite sozinha contribui com 4% das emissões totais de gases de efeito estufa da atividade humana — cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2 por ano e 37% das emissões globais de metano vêm da produção de gado. O metano é um gás de efeito estufa cerca de 25 vezes mais eficaz na captura de radiação do que o CO2. A produção de leite também é um dos principais motores do desmatamento em várias partes do mundo, especialmente em regiões tropicais onde florestas são convertidas em pastagens para gado ou em terras para cultivo de ração. Isso resulta na perda de biodiversidade e na liberação de carbono armazenado em florestas. 

Uma outra face da prática produtiva é a poluição, já que o manejo inadequado do esterco e dos fertilizantes pode levar à contaminação de corpos d’água com nutrientes, como nitrogênio e fósforo, provocando a eutrofização de rios e lagos. Isso pode resultar na perda de espécies aquáticas, na diminuição da qualidade da água e na formação de zonas mortas. Somado a estes dados, o processo de produção de laticínios em si (como pasteurização, homogeneização e refrigeração) é intensivo em energia. 

Todas estas razões já poderiam ser suficientes para um pensamento de redução na utilização do leite na alimentação, mas ao observar um rótulo qualquer no supermercado, é difícil encontrar algo que não contenha o ingrediente.

Leite faz mal à saúde?

Segundo o relatório do Datafolha, 7 em cada 10 pessoas, no Brasil, é intolerante à lactose. “Nem todos apresentam sintomas, mas percebem uma melhora no bem-estar geral com a retirada do leite da alimentação. Hoje, 350 mil crianças brasileiras são alérgicas à caseína, proteína presente no leite de vaca. Além dessas questões pontuais, de forma geral o leite animal fornece maior quantidade de gordura e proteínas aos seres humanos, além de hormônios específicos e próprios ao desenvolvimento do animal e desnecessários e até prejudiciais aos seres humanos”, explica a Nutricionista Mariana Scarpelli, que é vegana há 11 anos, ou seja, não se alimenta de qualquer produto de origem animal e se tornou especialista no assunto.

Mariana Scarpeli, Medalha de Bronze no Sulamericano de Skyrunning 2023 – 53km

“Atualmente, diversos estudos apontam o consumo do leite animal a uma maior probabilidade no desenvolvimento de câncer de ovário e mama em mulheres e de próstata nos homens. Dentro do conhecimento de que é um alimento dispensável nutricionalmente, sua substituição por fontes mais saudáveis é algo a ser pensado.” Mariana, que também é atleta de alto rendimento, mostra benefícios da substituição do leite e derivados em seu próprio corpo. “Minha imunidade é melhor, tenho menos incidência de episódios alérgicos como rinites, minha recuperação muscular também é melhor, porque tenho uma alimentação com característica mais antiinflamatória”, conta.

Ela explica que, como os  alimentos de origem vegetal são de mais fácil digestão, isso proporciona mais energia no momento da competição. “Lembro também que antes, quando consumia laticínios, por diversas vezes tinha desconfortos gástricos, até gastrite e isso não acontece mais há muito tempo. A retirada de laticínios também me ajuda a manter o peso adequado e manter a porcentagem de gordura corporal ideal.”

Nayma Rolim Assumpção (f), nutricionista, especialista em saúde cíclica feminina, e terapeuta Ayurveda também pontua que a grande mudança na forma de produção do leite o tiraram o status de um alimento saudável para o “não recomendado”.

“Vindo de animais alimentados com rações produzidas a partir de soja transgênica, injetados com diversos tipos de hormônios e antibióticos, estressados pela alta produtividade que são submetidos… Tudo isso passa através do leite. Em adição, os métodos de processamento utilizados como a pasteurização – que é um superaquecimento do leite – causa uma aglutinação e coagulação das proteínas e leva a uma pior digestibilidade do leite. Por isso, eu não recomendo o uso de leite animal, especialmente para mulheres, a menos que seja orgânico e de procedência confiável”, explica.

Desafios e oportunidades das opções vegetais na Gastronomia

O mercado gastronômico é bastante inovador e acompanha as tendências de comportamento humano. Prova disto são as experiências de Ilana Nogueira, formada em Gastronomia na Espanha, que já atuou em grandes restaurantes e confeitarias em Nova Iorque e no Brasil. “Se nota que nos últimos cinco anos, se retirou o leite fresco das mesas de cafés da manhã de hotéis e pousadas pelo mundo, porque a procura tem sido tão pequena que chega a se considerar nula”, conta. Em Santa Catarina, onde reside atualmente, ela percebe que a geografia e a grande oferta de turismo ligado à natureza, esportes no mar e o estilo de vida saudável, os turistas e moradores procuram outras fontes de leite, que não tragam inflamação ao corpo ou sejam de origem animal.

Ilana conta que o principal desafio é o custo dos leites vegetais, mas também relata sucesso em experiências diversas e de grande aceitação do público. “Os leites vegetais  chegam a custar três vezes mais, e leite é um ingrediente básico na confeitaria, depois do nível de gordura deve ser considerado. Como um preparo requer muitos outros ingredientes, o sabor do leite não costuma aparecer, mas no leite vegetal sim. Leite de coco, por exemplo, sempre deixa sabor”, explica a especialista.

 “Quanto à textura, os leites vegetais são idênticos aos de vaca. Em se tratando de sabor, são diversos. Alguns muito bons e muito aceitos como o leite de aveia, mas que traz um sabor um pouco mais doce e cereal. Eu sempre digo, não tem como fazer maçã de abacate. Tentar fazer um leite vegetal ter o mesmo sabor do leite de vaca, seria usando saborizantes, aromatizantes, e isso não seria uma boa escolha. No entanto, os leites vegetais têm um sabor muito bom, que quando as pessoas se dispõem a provar, acabam até preferindo”, conta a gastrônoma a partir dos diversos feedbacks coletados pelo Brasil afora através da consultoria para hotéis e restaurantes.

“Claro que, leite de vaca sempre vai estar na nossa memória afetiva, mas ainda assim, podemos adorar novos sabores. Então, usamos leites diferentes para cada preparo. Sempre que podemos trocar por água ou suco, melhor. Depois, usamos leite de aveia, e quando precisamos de algo com mais gordura, leite de coco ou leite de amêndoas.” A nutricionista Mariana Scarpelli concorda. “Com a evolução da ciência, maior conhecimento, sabemos que temos ótimas fontes vegetais que substituem em sabor e em valor nutricional o leite animal. Alguns exemplos são leites de castanha de caju, aveia e coco”, sugere. 

Dentro os diversos cases de sucesso da gastrônoma Ilana Nogueira, o croissant merece destaque. Ela conta que ao desenvolver as receitas para sua padaria artesanal, na pequena  cidade de Garopaba (SC), os retornos dos clientes ganham atenção e valor. “Teve uma vez que uma chef de cozinha vegana insistiu para que eu criasse um croissant vegano. Ela já tinha a receita da manteiga sem leite e só tínhamos que trocar o leite da massa. Tcharan: croissant vegano! Hoje temos ele como um dos carros chefes da empresa”, comemora.

Dicas para substituir o leite de vaca em casa ou no seu negócio

Segundo a nutricionista Scarpelli, os leites vegetais encontrados no mercado hoje ou são adicionados de vitaminas e minerais (como muitas marcas fazem no leite de vaca), ou são naturalmente nutritivos por conta da matéria prima principal utilizada (aveia, castanha de caju, arroz, coco). “Para atender a demanda nutricional e se igualar, em relação aos minerais e vitaminas, ao leite de vaca, as marcas fortificam suas bebidas com cálcio, vitaminas A, D E e K, tornando-as similares ao leite convencional”, relata. “Ou seja, os leites vegetais já são nutricionalmente seguros com a vantagem de, na bebida vegetal, não encontrarmos colesterol nem gordura saturada.”

Em contraponto, a nutricionista Nayma ressalta que as bebidas feitas a partir de cereais são mais ricas em carboidratos e, por isso, têm um índice glicêmico maior. “Elas aumentam mais o açúcar do sangue, o que não é interessante se você for consumir em jejum puro ou com café por exemplo, sendo mais indicado as bebidas vegetais de oleaginosas, que são mais ricas em gorduras boas, ou de leguminosas, ricas em proteína”, completa.

Ilana Nogueira, que não abre mão do sabor e da textura, além do valor nutricional aponta para o mesmo caminho: “Leites que sejam de origem de cereais locais e não transgênicos são a primeira escolha. Sempre uso produtos não transgênicos, o mais local possível, e que não usam conservantes, aromatizantes e conservantes. Pois se não atentarmos a isso estaremos transformando um leite saudável em algo agressivo ao nosso organismo, porém mais prático. Isso que a indústria alimentícia faz, Transformar a comida em algo prático e barato. E isso está custando nossa saúde. No Brasil o leite de aveia e coco são os mais indicados”.

Receita de leite vegetal simples

Parece leite, mas não é

Embora chamados popularmente de leites vegetais, a nutricionista Nayma ressalta que o termo correto seria bebidas vegetais. “Leite é caracterizado como a secreção das glândulas mamárias de mamíferos, com uma composição nutricional bem complexa (gorduras, proteínas, açúcares, células de imunidade), para alimentar um bebê”, informa. 

Para quem busca receitas economicamente mais viáveis, a dica é fazer seu leite em casa e também dar maior atenção à dieta como um todo. “Para garantir a segurança nutricional, é importante incluir no cardápio diário verduras verde-escuras, como brócolis, couve, agrião, rúcula, sementes de gergelim e alguns legumes como feijão branco, que são ricos em cálcio, além de se atentar a exposição solar – de maneira responsável -, a fim de produzir vitamina D. Lembrando que existe um número enorme de pessoas deficientes em vitamina D, independente de consumirem leite de vaca ou não”, reforça a nutricionista Mariana Scarpelli.

Agora, vamos à receita da Gastrônoma Ilana Nogueira para Leite de aveia:

  • 200grs de aveia em flocos
  • 3 xícaras de água 
  • Pitada de sal 

Modo de preparo:

  • Colocar a aveia em um pote e cobrir com água filtrada em temperatura ambiente. Deixar a noite toda na geladeira. 
  • No outro dia, escorrer essa água em uma peneira e colocar a aveia no liquidificador com as três xícaras de água e uma pitada muito pequena de sal.
  • Triturar por cerca de 3 min. Peneirar e guardar na geladeira por até 3 dias. 

Outras Fontes: Relatórios da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO); Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); Journal of Environmental Management; World Wildlife Fund (WWF); Environmental Working Group (EWG); Galactolatria: mau deleite;

Por Glaucia Rosa Damazio
Jornalista especialista em Sustentabilidade