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Abertura da Barra de Ibiraquera: uma discussão sobre o processo e seus impactos socioambientais

Abertura da Barra de Ibiraquera_saberes da praia (1)
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Aberta naturalmente no passado, hoje o canal é aberto mecanicamente conforme critérios estabelecidos por um Comitê Participativo, mas as divergências de opiniões sobre o tema são assunto de conflitos na comunidade

Quem já viu pessoalmente ou ainda através de vídeos a abertura da Barra de Ibiraquera, em Imbituba (SC), jamais esquece. De forma ligeira e incontrolável às mãos humanas, a fina passagem de água vai dando espaço à um grande braço do rio. Com sua própria força, a Barra vai se alargando e levando a água da Lagoa de Ibiraquera de encontro ao mar. 

A Lagoa de Ibiraquera que, na verdade é uma laguna, é um importante e frágil patrimônio de Garopaba e Imbituba. Ao seu entorno, toda uma comunidade é formada. Antes, somente em função da pesca do camarão rosa, dos peixes e siris. Hoje, em virtude de sua bela paisagem, os espaços vão sendo cada vez mais disputados, principalmente com a chegada da especulação imobiliária e seus condomínios, que privatizam totalmente o pôr-do sol mais encantador da região.

Foto do acervo de Maria Aparecida Ferreira

A História da Abertura da Barra

A natureza sempre fez o seu papel, e a Laguna de Ibiraquera tinha seu canal contínuo de ligação com o mar, por onde escoava a água das chuvas e acontecia a migração de peixes e outros animais do ecossistema. “O canal original saía exatamente na direção à Ilha do Batuta, junto a um costão rochoso, próximo ao sambaqui, como uma única formação. O canal estabilizado era sustentado pelas rochas. Por mais de 5 mil anos, o canal original foi sinuoso, estreito e cheio de rochas. Era difícil fazer a pesca predatória”, explica o Enno Leal, que durante 10 anos vem estudando a Laguna de Ibiraquera, especialmente no que tange a ligação com o mar.

Ele conta que o desequilíbrio ambiental começou por volta de 1960, quando a primeira família Cardoso vinda de São Paulo, decidiu modificar o canal para favorecer a pesca. “Eles precisavam de um canal reto, que fornecesse uma vazão alta para colocar as redes tanto na maré alta quanto na baixa”, relata Enno. 

“O canal original, que foi soterrado pelas autoridades públicas em 1960 e o canal construído em zona de dunas, no ano de 1918, quando então começou a prática  dos arrombamentos das dunas, que perduram, inexplicavelmente, até os dias atuais” – Voz da Lagoa

O canal artificial ocupou o lugar do canal natural e, as divergências entre pescadores que queriam a barra original e os que queriam a nova foram ganhando espaço. “As pessoas que hoje abrem a barra onde simplesmente deveria ser área de dunas estão corroborando com o crime ambiental até hoje. Técnicos, APA, IMA, pagos para proteger o patrimônio natural do cidadão, não fazem nada, mantendo a proposta de 1960”, denuncia.

“Nunca é saudável uma abertura de barra. O mar não reconhece como um canal natural. toda vez que se faz essa abertura de forma mecânica e não natural, a praia fecha, como o corpo fecha um corte na pele com uma cicatriz.”

A abertura da Barra de Ibiraquera vira uma tradição

Com o aumento das construções de moradias, restaurantes e pousadas no entorno da Laguna de Ibiraquera, a necessidade de abertura de barra passou a ser cada vez mais pautada pelas demandas do homem moderno. “Antes da criação do Comitê de Abertura, a barra ia sendo aberta de qualquer jeito com uma máquina, sem respeitar a sabedoria tradicional dos pescadores. Era aberta mecanicamente para renovar a água por causa das fossas de restaurantes e casas de aluguel que ficavam cheias, sem respeitar os critérios ambientais e culturais necessários”, conta a Maria Aparecida Ferreira, Presidente do Conselho Comunitário de Ibiraquera (CCI), membro do Comitê que criou critérios para abertura da Barra de forma participativa pela APA da Baleia Franca.

“Não é um critério abrir a lagoa porque as fossas estão no nível da água. Isto não é critério, é falta de saneamento! Ter que abrir uma barra porque construíram em lugares que não podiam, e ter que jogar isso tudo no mar”,

desabafa, Cida.
Foto: Acervo Maria Aparecida Ferreira

Comitê de Abertura da Barra de Ibiraquera na APA da Baleia Franca

Foram 2 anos de discussões e plenárias, a partir da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca – ICMBio, levando em conta levantamentos técnicos e os notórios saberes dos pescadores para a criação dos critérios de abertura da barra. Os critérios estabeleceriam diretrizes para a criação de um bom canal de entrada de peixes, repovoando a lagoa e de renovação das águas, saindo nas cheias. 

O Comitê foi formado por entidades representativas do Turismo, do Esporte, e dos Empresários da região, pelo Fórum da Agenda 21, pela Prefeitura, tendo as Secretarias de Agricultura e Pesa e Meio Ambiente, pela APA da Baleia Franca, pelos Bombeiros, pela Colônia de Pesca de Imbituba e por Pescadores tradicionais. 

Os 3 critérios bases para abertura da Barra definidos e acordados pelo comitê são:

– Boa cheia de lagoa (com demarcações de água nos níveis mínimo e máximo da régua de altimetria)
– Quadrante de lua para abertura (mar e ventos calmos)
– Chegada de cardumes (presença de larvas de camarões e peixes nas proximidades da praia)

O processo foi democrático, mas ao que parece, não elaborou estudos suficientes que considerassem o impacto ambiental causado pela mudança do canal, há quase um século.  “Se pensarmos que a Laguna tem mais de 5 mil anos, 60 anos não é nada. Os critérios adotados são insuficientes”, pontua Enno, que afirma ter apresentado ao Comitê relatórios contendo os dados aprovados por oceanógrafos, mas eles nunca foram considerados. 

Depois de ter seu processo no Ministério Público Federal em 2010 arquivado, Enno aprofundou seus estudos. Recentemente, toda sua pesquisa foi doada ao movimento Salve a Lagoa, que busca visibilidade para a Lagoa de Ibiraquera.

Primeira Abertura da Barra em 2022 movimento ambiental Salve a Lagoa afirma que “Uma bomba foi lançada na Praia de Ibiraquera”

Após a reunião do comitê, no dia 24 de maio, aconteceu a abertura mecânica da Barra de Ibiraquera. “O certo era abrir naturalmente, mas com as mudanças climáticas e as cheias atingindo pontos cada vez mais altos, o grande assoreamento de terra na boca da barra, que a deixam muito mais alta que o nível da lagoa, fica difícil abrir naturalmente. Se não abríssemos mecanicamente, ela não iria abrir”, conta Cida.

É justamente o assoreamento, segundo o movimento Salve a Lagoa, o principal impacto ambiental causado pela abertura artificial da Barra de Ibiraqurea. “É como fazer uma hemodiálise em uma pessoa com rim saudável. Bem feitas ou mal feitas, a abertura artificial da barra sempre vai ser agressiva. Mas dessa vez, ela foi a pior abertura que poderia ter sido!”, defende Enno. “Fizeram uma bomba com grande poder de destruição.”

Ilustração da plataforma de 340 metros de embocadura, 130 metros de gargalo, 397m na margem do lado sul e 439 na margem norte, com uma área aproximada de 6 ha. Em resumo, um cone “Papa Ressacas” – Voz da Lagoa

“A abertura seria menos agressiva, se tivesse sido feita quando a água da lagoa marcava 1,32m na régua altimétrica, que é a cota A, proposta pelo próprio comitê. Mas esperaram chegar a 1,62. No ano passado, levou 65 horas para completar a saída da água da lagoa para o mar. Este ano, levou 13 horas, isso é um absurdo!”

“Esta vazão descontrolada não forma um canal sinuoso, mas retilíneo, que arromba a boca da barra, e deixa vulnerável para receber as ressacas do mar, que avançam a lagoa em 2km. Com as ressacas, piores entres os meses de junho a setembro, o mar vai levar essa areia para dentro da lagoa de uma forma que jamais será tirada, este é o assoreamento”, finaliza Enno.

Os impactos ambientais apontados pelo movimento Salve a Lagoa

As conclusões sobre os impactos ambientais causados pela abertura artificial da barra de Ibiraquera segundo os estudos do pesquisador Enno Leal e apoiadas pelo movimento Salve a Lagoa não são nada animadoras. “Assoreamento, enterramento da Lagoa com todo seu ecossistema, perda da biodiversidade local e poluição”, informa.

Morte de espécies

Começamos pela brusca alteração na condição da água, que passa de salobra, a salgada em poucas horas. A natureza não está acostumada com esse tipo de movimento tão rápido. No momento que você tira a água salobra, que dura 3,4, 5 até 6 meses e joga para o mar, existe um choque brusco de salinidade, em questão de horas, além de choques na condutividade e oxigenação da água. Isso é extremamente nocivo aos microrganismos do meio, e, consequentemente, toda a cadeia de animais inter-relacionados, tanto animal quanto vegetal.

Poluição da Lagoa

“Quanto maior a inundação da lagoa, ou seja, quanto mais se deixa a lagoa encher para abrir a barra, ao invés de manter um canal contínuo natural, mais poluição. Mais as cheias forçam as pessoas que não têm fossas ecológicas a jogarem seus detritos para dentro da lagoa. As margens são como filtros entre a lagoa e o continente. Um colarinho verde, que não só embeleza, mas impede que a poluição atinja a lagoa de forma direta. Se alagada, a poluição vai diretamente para a água.”

O que fazer para salvar a Lagoa de Ibiraquera?

Segundo o movimento, o primeiro passo é um estudo sério e comprometido com a saúde da lagoa. “Para nós, o diagnóstico da doença está claro: o canal tradicional milenar e contínuo de ligação com o mar foi cortado. É preciso estudar, entender, buscar uma resposta séria e definitiva, com uma equipe multifuncional, que faça um estudo profundo. E fazer um processo de re-naturalização da Laguna de Ibiraquera. 

Enquanto isso não acontece, temos que parar de fazer essas aberturas absurdas com grandes volumes de água, dirigidas ao sul, enquanto que o canal original era ao norte da praia. Precisamos de uma hemodiálise criteriosa enquanto não fazemos o transplante de rim que a Lagoa precisa.

A Natureza sempre está pronta para se recuperar, como uma ferida no corpo, uma ferida na praia. A natureza é ansiosa pela vida, só precisamos colaborar e deixar que ela faça seu trabalho.”

Pela primeira vez desde que foi formado o Comitê de Abertura da Barra de Ibiraquera, em 2015, uma reunião de avaliação dos impactos ambientais da abertura está pré-agendada para o dia 10. Se a intenção da comunidade é a mesma, manter a saúde da Lagoa de Ibiraquera, a participação de todos e todas é importante.

Redação Saberes
Texto: Glaucia Rosa Damazio
Jornalista
Revisão: Thainá Bernardoni

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