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Alternativas Sustentáveis para substituir as Queimadas na Agricultura

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Como a implantação de técnicas alternativas às queimadas pode trazer benefícios financeiros para os sistemas produtivos 

Utilizada como prática agrícola para limpeza das terras e controle de pragas, as queimadas são um traço cultural na agricultura desde o tempo em que indígenas, quilombolas e colonos utilizavam a coivara como preparação de terras para o cultivo. Coivara, que vem do idioma tupi antigo koybara, quer dizer  “cata-paus de roça”, e é também chamada de agricultura itinerante. O sistema se define em termos gerais, por poucos anos de cultivo, seguidos de muitos anos de repouso da terra, incluindo o corte, a derrubada e a queima da floresta nativa, onde o fogo desempenha papel fundamental. Em seguida, é feita a plantação intercalada de várias culturas (rotação de culturas), como o arroz, o milho e o feijão, durante três anos e, principalmente, a rotação de solos para melhorar a fertilidade e controlar as pragas.

O método é antigo, utilizado principalmente em agricultura de subsistência, por pequenos proprietários de terra ou em áreas de plantio comunal e já conhecido entre os autores como extremamente rudimentar, que leva ao rápido esgotamento do solo. Isto quer dizer que as áreas de cultivo precisam ficar em descanso de três a 12 anos, além de causar a derrubada de grandes áreas de mata – totalmente na contramão das medidas de combate à crise climática e demais ações em busca dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Mais de 500 anos à frente, no atual século 21, as queimadas continuam sendo a principal técnica utilizada na agricultura tradicional, trazendo uma série de prejuízos para o meio ambiente e também para os proprietários de terras. Mas, para além dos impactos ecológicos das queimadas, existem alternativas sustentáveis financeiramente para a agricultura? A resposta é sim! Elas não são simples ou rápidas, mas demonstram eficiência e produtividade no médio e longo prazo.

Queimadas e os prejuízos para a produtividade do solo

Quando as queimadas destroem habitats naturais, provocando a perda de flora e fauna, a biodiversidade local é drasticamente reduzida, afetando o equilíbrio ecológico e, consequentemente, a produtividade. O fogo consome a camada superficial do solo, rica em nutrientes, elimina os micro-organismos presentes, sem mencionar o aumento na concentração de dióxido de carbono devido à fumaça. Tudo isso pode levar à desertificação e à redução da capacidade produtiva da terra a longo prazo, impactando diretamente a renda dos proprietários de terras. 

Além disso, recuperar terras degradadas por queimadas pode ser caro e demorado, considerando além dos investimentos em técnicas de recuperação do solo e reflorestamento, os diversos prejuízos relatados em perdas de cercas, sistemas de irrigação e instalações danificadas ou destruídas, devido ao descontrole do fogo. No Brasil, as queimadas ilegais são passíveis de multas e penalidades severas. A legislação ambiental prevê sanções para aqueles que realizarem queimadas sem autorização.

Alternativas sustentáveis para as queimadas no Brasil

Agroecologia, Agricultura Sintrópica, Agroflorestas… A popularização de sistemas de produção considerados alternativos já deixou de ser uma aposta ecológica para tornar-se uma opção mais segura, inclusive financeiramente, no médio e longo prazos. 

Os manejos agroecológicos são alternativas para a regeneração e fertilização dos sistemas produtivos, sendo mais rentáveis financeiramente também. Segundo modelo de viabilidade econômica desenvolvido pelo WWF-Brasil em parceria com Universidade Federal do Acre, Embrapa e Secretaria Estadual de Meio Ambiente, por exemplo, a recuperação da vegetação nativa em sistemas agroflorestais pode gerar um retorno médio anual de mais de R$ 4.500 por hectare, mais do que o dobro gerado pela produção de soja, que já tem uma rentabilidade maior que a da pecuária, e varia de R$ 1.500 a R$ 2.500 por hectare ao ano, dependendo da região. 

Neste tipo de sistema produtivo, o foco está na manutenção da biodiversidade para que a própria natureza atue em benefício da produção, logo, as queimadas ficam drasticamente reduzidas a necessidades muito específicas.  “O solo superficial, a camada que vai ser o ator principal no processo de recuperação pode pode ser ao invés de perdido, estimulado, com diferentes técnicas”, explica o Engenheiro Florestal especialista em Sistemas Agroecológicos, Bruno Lenzi. “São inúmeras alternativas disponíveis, como a rotação de cultura, técnicas de pousio, adubação verde, consórcio de espécies e incorporação de matéria orgânica no solo, que se mostram mais eficientes que as queimadas no médio e longo prazo.”

“Entendemos que o uso do fogo é uma questão cultural e, com o avanço da tecnologia e dos conhecimentos, sabemos que existem alternativas mais eficientes para substituir as queimadas, na maioria dos casos”, completa Lenzi.

Agroecologia e biodiversidade em favor da produtividade 

Especialista em Sistemas Agroecológicos e tendo implantando sistemas agroflorestais em mais de 12 países, Namastê Messerschmidt explica que o segredo para a potencialidade do solo está na produção aliada à biodiversidade. “A gente vive uma agricultura hoje que deixa o solo cada vez mais fraco. A gente planta hoje, a gente põe um, quando a gente colhe e vai plantar de novo, a gente não pode mais por um só, porque o solo vai ter menos vida, então a gente tem que colocar dois, depois três, depois quatro. A agricultura, a agronomia hoje trata o solo como um suporte, então a gente precisa trazer nutriente de fora: nitrogênio, fósforo, potássio, manganês, boro, zinco”, explica o especialista em entrevista para o portal Quilombo Invisível.

“Como ensinava a doutora Ana Primavesi, o solo não é suporte, o solo é um elemento vivo e tudo está nele. Por exemplo, existe grande quantidade de potássio nos solos brasileiros, só que ele está quimicamente indisponível. O potássio precisa ser ciclado por plantas, para que outras plantas consigam comer desse potássio. Então o potássio que a gente vai lá na Rússia buscar, ele está no solo, só que ele precisa de plantas que ciclem esse potássio, como a mombaça, como a bananeira. O Nitrogênio, que é hoje o nutriente mais comercializado no mundo, está no ar: 78% do ar é puro nitrogênio, então a gente vai lá em Beirute comprar nitrogênio, enquanto o nosso ar tem bastante nitrogênio. Só que esse nitrogênio não está disponível para as plantas, ele precisa também ser ciclado, então precisa de plantas que consigam pegar esse nitrogênio do ar e tornar disponível como as leguminosas que se associam com bactérias: o Ingá, a Gliricídia. 

Essas plantas se associam com bactérias que conseguem usar a simbiose entre planta e as bactérias, pegar esse nitrogênio e torná-lo disponível, não só para o ingá e para a Gliricídia, o feijão e o feijão guandu, mas para toda a comunidade onde essas plantas estão. Então, se tiver um café ali, esse café também vai aproveitar desse nitrogênio, se tiver uma bananeira, essa bananeira também vai aproveitar desse nitrogênio. Então, na verdade, tudo está aí, né? O solo tem fósforo, o solo tem potássio, o nitrogênio está no ar, o carbono, que hoje não é considerado um nutriente, mas ele também está no ar. O que a gente precisa construir é formas, mecanismos para que isso se torne disponível.”

Confira na íntegra A produção agroflorestal de alimentos: entrevista com Namastê Messerschmidt

Agroflorestas: sistemas produtivos integrados

A integração de árvores com culturas agrícolas e pecuária, as agroflorestas também são opções que favorecem a biodiversidade e melhoram a qualidade do solo. “Os sistemas agroflorestais (SAF) têm sido apontados como alternativa fundamental para as políticas de incentivo à recuperação de áreas já desmatadas, possibilitando assim a sustentabilidade dos recursos naturais e a produção com vantagens sociais, econômicas e ambientais”, segundo a EMBRAPA, através do guia Sistemas agroflorestais: princípios básicos, que apresenta o que é um Sistema Agroflorestal, as classificação dos sistemas Agroflorestais, suas vantagens e restrições, etapas para implantação e o papel das árvores nos sistemas agroflorestais. 

Agricultura Sintrópica e o estudo das leis naturais

Agricultura Sintrópica é um conjunto teórico e prático de um modelo de agricultura desenvolvido por Ernst Götsch, no qual os processos naturais são traduzidos para as práticas agrícolas tanto em sua forma, quanto em sua função e dinâmica. “Assim, podemos falar em regeneração pelo uso, uma vez que o estabelecimento de áreas agrícolas altamente produtivas, e que tendem à independência de insumos e irrigação, tem como consequência a oferta de serviços ecossistêmicos, com especial destaque para a formação de solo, a regulação do microclima e o favorecimento do ciclo da água. Ou seja, o plantio agrícola é concomitante à regeneração de ecossistemas”, define Dayana Andrade em O que é Agricultura Sintrópica?

“A agricultura sintrópica (também descrita como agrofloresta sucessional) não é um pacote tecnológico que pode ser comprado, nem um plano definitivo de design ajustável para todos os gostos. Ela é, antes de tudo, uma mudança no olhar. É uma nova proposta de leitura dos ecossistemas que abre caminho para que o agricultor aprenda a buscar suas respostas usando outro raciocínio, bem diferente do que estamos acostumados”, completa Dayane.

Ernst Götsch, nascido na Suíça em 1948, migrou para o Brasil na década de 1980, estabelecendo-se na zona cacaueira da Bahia. Anos antes, Götsch havia decidido abandonar o trabalho de pesquisa em melhoramento genético na Suíça após uma constatação inquietante: “Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus-tratos a que as submetemos?” Ernst Götsch

Influenciado pela Agricultura Ecológica, Götsch começou a experimentar na Suíça e Alemanha, integrando fruticultura e aumentando a diversidade de cultivos para imitar as dinâmicas de sucessão natural das florestas. Seus experimentos, que enfatizavam a saúde do ecossistema como um todo, levaram-no a aplicar suas ideias em diferentes contextos, como na Namíbia e Costa Rica. Em 1982, ele se mudou para a Bahia para gerenciar uma fazenda de cacau, onde aplicou seus métodos para reverter a degradação do solo e estabelecer uma plantação sustentável, culminando na publicação de seus resultados em “Breakthrough in Agriculture” em 1995, sob o conceito de Agrofloresta Sucessional.

Fazenda Olhos D’água, onde Ernst vive desde 1984 (photo: Felipe Pasini)

No início da década de 90, Ernst Götsch comprou a parte de seu sócio e tornou-se proprietário da área, então rebatizada como “Fazenda Olhos D’água”. No período subsequente, foi contratado por iniciativas públicas, privadas e do terceiro setor e também atendeu a convites para ministrar cursos e palestras.

Pesquisas sobre o sistema de Agricultura Sintrópica

Desde maio de 2018, o Centro de Pesquisa em Agricultura Sintrópica (CEPEAS) vem realizando, sob a orientação de Ernst Götsch, diversos experimentos buscando encontrar o melhor espaçamento e a melhor combinação de plantas cultivadas, especialmente grãos, com linhas de árvores e diversas variedades de capins e outras plantas de cobertura. Esses experimentos buscam simular como será a agricultura sintrópica em larga escala para o cultivo de grãos. Confira os resultados dos experimentos aqui

Diversidade, sustentabilidade e o futuro da agricultura

As queimadas, embora tradicionalmente usadas em práticas agrícolas, trazem mais prejuízos do que benefícios a longo prazo. Considerando os impactos ecológicos e financeiros, além das penalidades legais, proprietários de terras podem se surpreender com os benefícios ao optar por práticas consideradas alternativas, mas que apresentam resultados comprovadamente positivos em termos de custo-benefício, eficácia e sustentabilidade. 

As alternativas sustentáveis não apenas protegem o meio ambiente, mas também garantem a produtividade e a viabilidade econômica das propriedades rurais, melhorando a saúde dos produtores e abrindo a possibilidade de abertura de mercados que obtenham maior valor agregado nos produtos, inclusive através de benefícios exclusivamente oferecidos para promoção de autonomia social e econômica das famílias agricultoras e comunidades tradicionais, incentivando a produção sustentável de alimentos.

Leia também: Lagoas Costeiras e sua importância para o bem-estar das comunidades

Por Glaucia Rosa Damazio
Jornalista especialista em Sustentabilidade
Redacão Saberes da Praia