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Petróleo ameaça turismo em
Santa Catarina

Em audiência pública popular, Garopaba diz “não” a exploração de petróleo no litoral de Santa Catarina

A Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) está se preparando para leiloar blocos para exploração de petróleo na 17ª Rodada de Licitações. Muitos desses blocos estão localizados na Bacia de Pelotas e atingem diretamente o litoral de Santa Catarina.

A 17ª Rodada contará com a oferta de 92 blocos com risco exploratório, localizados em 11 setores de quatro bacias sedimentares marítimas brasileiras: Campos, Pelotas, Potiguar e Santos. Nesta licitação estão sendo ofertados blocos, pertinentes a bacia de Santos e Pelotas, que confrontam diversos municípios do litoral catarinense, como Bombinhas, Tijucas, Governador Celso Ramos, Florianópolis, Palhoça, Laguna, Paulo Lopes, Garopaba, Imbituba, Jaguaruna, Balneário Rincão, Araranguá e Balneário Arroio do Silva.

“Todo o litoral catarinense está ameaçado por desastres ambientais, que podem impactar não só o meio ambiente, mas também a economia do estado. Corremos, inclusive, o risco de lidar com vazamentos de petróleo, como o ocorrido no litoral do Nordeste, em agosto de 2019, que causou um enorme prejuízo econômico (turismo e pesca), na saúde e para a biodiversidade”, informa o instituo Arayara.

Audiência Pública Popular em Garopaba ouviu técnicos e comunidade

Na noite de 27 de setembro, coincidentemente Dia do Turista, a EB Luiz Carlos Luiz, no bairro Ambrósio, sediou uma audiência pública realizada com apoio dos vereadores Jean Ricardo, Jacaré, Dedéu e Beto, o Instituto Arayara e diversas entidades da sociedade civil que se fizeram presentes.

 “O processo de exploração tem aspectos inegáveis. Mesmo que não exista vazamento, o petróleo apresenta mais de 100 substâncias tóxicas diferentes…  Além disso, dentro de uma matriz de produção, deve-se pensar os portos, as refinarias, a distribuição e todas as atividades no mar, elevando as demandas do sistema sanitário, a necessidade de água, a qualidade do ar. Tudo isso deveria estar muito bem planejado. Mas não está planejado”, apontou o Biólogo, professor Doutor da Universidade Federal de Santa Catarina, Paulo Antunes Horta. “Mesmo que não exista um desastre, impactos haverão, e vão haver consequências para o turismo, a pesca, a maricultura. Existem alterativas para produzirmos uma economia resiliente, regenerativa e ela não se faz com petróleo!”

“Vivemos mudanças climáticas, em um oceano que está doente em muitos aspectos e não temos o direito de ignorar o que a ciência está dizendo. Estamos tratando de uma hipótese de Ecocídio. Dizer ‘Não’ para o Leilão neste modelo é indispensável”, encerrou.

Jorge Luiz Filho, Geógrafo e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina alertou sobre os riscos às lagoas costeiras da região, que servem como berçário da vida marinha. “Só na APA da Baleia Franca são 16 lagoas. Além dos grandes desastres, existem os pequenos e recorrentes vazamentos, que afetam a vida nas lagoas costeiras. Um estudo feito entre 1979 e 2017 no Rio Níger, onde há exploração de petróleo, mostrou quase 16 mil pequenos vazamentos no período. Onde tem exploração de petróleo, tem petróleo na água.”

 

Ao trazer o seu exemplo pessoal, a bióloga Elisa Serena,  Mestre e professora no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) Campus Garopaba, emocionou os presentes. Em Ilhabela, litoral de São Paulo, foram diversos incidentes com petróleo que marcaram sua infância e adolescência. “Acidentes acontecem e acontecem mesmo, porque é uma atividade de alto risco. Em 2019, tivemos esse infeliz acontecimento de óleo que apareceu ‘do nada’ no litoral principalmente no Nordeste, desceu até o Rio de Janeiro, atingiu 700km da costa. Será que queremos viver uma cena daquelas aqui? “

Nicole Figueiredo, representante do Instituo Arayara mostrou dados sobre a forma como são feitos os Leilões e chocou ao mencionar que o atual processo foi autorizado dois meses depois do desastre do nordeste brasileiro. “Essa é a consideração que a CNP e o Governo têm para com a costa brasileira”, enfatizou. A ativista apontou a localização dos blocos próximos à Santa Catarina – localizados exatamente em cima dos corais, “os berçários da vida marinha, onde ela se reproduz e se alimenta. ”

Após a fala dos técnicos, vereadores e demais autoridades, a comunidade foi ouvida, e em uníssimo som, a decisão foi de que Garopaba é contrária à exploração de petróleo na sua costa! Mas a decisão não é tomada aí.

A luta continua

O Instituto Arayara e o Observatório de Petróleo e Gás vêm divulgando em audiências públicas populares nas cidades que terão impacto direto com a exploração os relatórios técnicos com dados ambientais e sociais nas regiões.

O ICMBIO e o IBAMA emitiram parecer técnico recomendando a não exploração na região devido a sua fragilidade e ao alto risco de contaminação das bacias. Porém, os órgãos substituíram a Avaliação Ambiental por uma sugestão em conjunto do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA), que deixou a agência ANP confortável para ignorar os riscos ambientais, sociais e econômicos da população e da biodiversidade do Brasil.

Por isso, algumas ações cíveis estão em andamento por parte de autoridades e iniciativas como o Instituto Arayara.

Ações contra o leilão

Previsto para acontecer em outubro, o leilão vem sendo desenvolvido em meio a polêmicas, já que atinge áreas extremamente sensíveis, como o Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha, e o próprio litoral catarinense. Nestas áreas propostas no pré-edital da 17ª Rodada de Concessão da ANP vivem pelo menos 89 espécies em risco de extinção, incluindo o maior animal do planeta: a baleia-azul.

Desde que foi realizada a primeira – e única – audiência pública referente à 17ª rodada, o Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Petróleo e Gás, com o apoio da Coalizão Não Fracking Brasil e do Observatório do Clima, vêm desenvolvendo estudos e ações para suspender o leilão.

Além de apresentar um relatório técnico que aponta os riscos e inconsistências do leilão, as organizações entraram com uma ação civil pública na vara federal em Santa Catarina (6ª Vara, Comarca de Florianópolis), denunciando os graves erros no processo da 17ª Rodada de Concessão.

O deputado federal Túlio Gadêlha e o presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Carlos Lupi, também entraram com pedido de medida liminar de urgência no Supremo Tribunal Federal (STF).

O objetivo da manifestação conjunta – baseada no relatório técnico desenvolvido pelo Instituto Internacional Arayara em conjunto com o Observatório do Petróleo e Gás (OPG), além de outros pareceres oficiais que foram ignorados – é suspender o leilão de blocos de petróleo da Bacia Potiguar e também da Bacia de Pelotas.

O deputado estadual Padre Pedro Baldissera (PT) também denunciou, no plenário da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), que o relatório técnico sobre os impactos ambientais, sociais e legais para as bacias Potiguar e Pelotas, previstos na 17ª rodada, não apresenta estudos ou simulações em caso de acidentes, como a legislação em vigor determina.

“E o que é mais grave: a própria ANP substituiu estudos ambientais criteriosos por meras manifestações conjuntas do Ministério de Minas e Energia e do Meio Ambiente. Os dois ministérios, que deveriam ser os defensores do ecossistema e do meio ambiente, dão amparo a desastres e dizem que não é necessário nenhum estudo aprofundando garantindo a vida nestas regiões, infelizmente é assim que eles pensam, como dizia o ministro, quer aproveitar o momento para passar a boiada”, informa representantes do Instituto Arayara.

 

Para conhecer a campanha SOS Litoral SC:  http://soslitoralsc.arayara.org

 

Como o processo chegou até aqui

A 17ª Rodada vem sendo planejada pelo governo federal, e pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em especial, há mais de três anos. Em 30 de agosto de 2018 foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução nº 10 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que determinou as diretrizes do planejamento plurianual de licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural em 2020 e 21, e autorizou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) a realizar a licitação.

A ANP realizou somente uma audiência pública, em fevereiro de 2021, no Rio de Janeiro, para discutir aspectos gerais dessas licitações. Os impactos potenciais da exploração dos blocos de petróleo a serem leiloados atingirão todo praticamente todo o litoral brasileiro.

 “Desde 2019 vimos alertando as autoridades federais, estaduais e municipais para a gravidade da situação e para a ausência de debates sobre esse tema da exploração de petróleo e gás natural. Os blocos a serem licitados na 17ª Rodada atingem mais de 10 estados costeiros, mas, até agora, apenas em Santa Catarina conseguimos ser ouvidos”, observou a advogada Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora do Instituto Internacional ARAYARA.

 

Por Glaucia da Rosa Damazio

Fonte: Instituo Arayara, Audiência Pública Popular em Garopaba.