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Tradições Regionais: Pesca Artesanal em Ibiraquera

Pesca Artesanal em Ibiraquera - Saberes da Praia
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Conheça histórias de uma das práticas mais antigas da comunidade, de importante valor cultural e econômico para todo o estado de Santa Catarina

Há séculos, a Pesca Artesanal alimenta a comunidade de Ibiraquera. Desde a prática dos povos pré-coloniais, como os sambaquianos; dos povos indígenas das etnias Guarani e Carijós, até a chegada dos portugueses e a transformação que passou a incluir a prática do arrasto. 

Hoje, a pesca artesanal tem uma grande importância econômica em Santa Catarina, tanto para a subsistência das comunidades costeiras quanto para a economia do estado como um todo. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a pesca artesanal responde por cerca de 50% do pescado capturado no estado, gerando cerca de 150 mil empregos diretos e indiretos.

A Pesca artesanal é praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte.

De acordo com o Anuário Estatístico da Pesca de Santa Catarina 2020, a produção da pesca artesanal no estado foi de 57.398 toneladas em 2019, o que representou uma movimentação financeira de R$ 508,7 milhões. Além disso, a pesca artesanal é uma importante atividade turística em algumas regiões do estado, atraindo visitantes interessados em conhecer a cultura e a tradição dos pescadores locais.

Safra da Tainha e  os desafios de Ibiraquera

Entre maio e julho, acontece a Safra da Tainha, principal momento da pesca artesanal, quando muitas praias ficam destinadas exclusivamente à prática e famílias inteiras se mudam para os ranchos à espera dos lances. E os desafios, cada vez maiores, passam pela legislação, a modernização, o turismo e também o preconceito. “A pesca artesanal está pedindo socorro. Fazem as leis, mas não sabem o que os pescadores artesanais passam no dia a dia”, desabafa Eliziane da Silveira, pescadora e membro da Associação dos Pescadores da Comunidade de Ibiraquera. “Outro desafio é os homens aceitarem as mulheres na pesca. Todo dia é um desafio para uma mulher num mundo onde era só feita a pesca pelos homens. Mas as mulheres trabalham tanto quanto o homem e não tem seus direitos muitas vezes reconhecidos.”

Histórias da Pesca Artesanal de Ibiraquera

Dona  Cecê, a força da mulher pescadora

Foi em nome de Lucenir Marques Gonçalves a expedição de uma das primeiras carteiras de pesca artesanal do território nacional, em 1981. Mas dona Cecê, como é conhecida, também já foi funcionária pública de Imbituba, servindo merenda para as crianças da creche de Ibiraquera; manicure e cabeleireira, profissões que tornaram possível erguer a casa própria – que ajudou a construir com as próprias mãos. “Aqui eu capinei, plantei árvore, fiz sapata, estrivo e ajudei a concretar”, lembra. Hoje, aposentada, continua com aquilo que lhe dá mais prazer, a pesca. 

Dona Cecê

Da Lagoa de Ibiraquera, tirou quilos de camarão que criaram os filhos Bruno, Gabriel e Paulo Sérgio. “Eu pesco até 2h, 3h. Quando dando camarão, chego às 6h da manhã. Nunca tive medo. Ando por esses caminhos tudo sozinha, faço toda a costa da Lagoa do Saco, sempre rezando a oração que a dona Tita (Maria Josina) me ensinou”, conta, recitando a reza com saudade nos olhos.

Leia também: Tradições de Ibiraquera – Farinhada

Andando pelos mesmos caminhos por onde o pai José Jovino (em memória) passava para pegar miraguaia e corvina, dona Cecê olha para o céu e adivinha o tempo. Ao encontrar uma amiga pela rua, confirma aquilo que está estampado no rosto. “Sigo firme, porque tenho saúde. E sigo pescando porque me faz bem.” 

Na beira da lagoa, ela tarrafeia contente para a entrevista, mas explica: “De dia não tem camarão. Ele se enterra.” E confessa. “Meus filhos dizem que eu não preciso mais pescar, que eles me ajudam. Mas pescar é a coisa que melhor faço na vida. Estar no meio da natureza me tira o estresse, me faz bem.”

Seu Domingos: exercendo o ofício que Deus deixou

Não há ninguém que conheça melhor o mar do que aquele que nasceu de frente para ele. Seu Domingos da Silveira veio ao mundo na beira da praia do Ouvidor. Foi ali que cresceu dando lances de 25 mil peixes, que lembra com exatidão o dia, mês e ano pra contar. 

Seu Domingos

Pescador desde 1948, nunca teve a carteira de trabalho assinada com outro ofício. Foi assim que criou os 12 filhos, dos quais 11 hoje pescam, homens e mulheres. Embora ame a profissão, seu Domingos admite: “A gente está sofrendo. Nossas autoridades não sabem o que fazem. Porque eles não conhecem o que é o mar e o que é o peixe”, desabafa ao apontar as falhas nas leis e na fiscalização. “Os barcos industriais de arrasto fazem o que querem no meio do mar. E o pescador artesanal não pode pescar, porque só pode malhar anchova”, enumera.
 Quando não estão no mar, a família e os amigos remendam as redes e observam, “porque dez olhos veem mais longe do que dois”. 

Um dos pescadores mais tradicionais da região, seu Anastácio da Silveira, aos 87 anos. (Em memória). 

Em diversas ocasiões, recebeu a equipe do Jornal PDR, assim como todas as pessoas que se interessavam por suas histórias, contadas com exímia memória e um pouco de fumaça do tabaco no Rancho do Porto Novo da Praia do Rosa. 

Chegava sempre por volta das 5h da manhã, sem hora para ir embora, observando o mar e esperando a quadra de pesca. Os ensinamentos que deixou somam uma riqueza imensurável, uma maneira de confortar os corações daqueles que com ele conviveram. Para eternizar sua imagem, uma foto de fartura, no lugar que mais amava, como ele mesmo disse:  “o lugar mais importante que tinha era aqui. É uma terra querida, que tudo dá.” 

Crédito: Aires Maringa / Costa Catarina


Esta e outras tradições serão pautas em nossa roda de conversa que acontece no dia 15 de abril de 2023 às 16h no Rosa Surf Hostel. Você é nosso(a) convidado(a)!
Saiba mais aqui:

Fontes:  Ministério do Meio Ambiente; Artigo “Pesca artesanal e pesca industrial no Brasil” de Leonardo de Oliveira Neves e Adriana Pontin de Mattos; Reportagem “Tainha é tradição e sustento no litoral de Santa Catarina” do portal G1; Site oficial da Federação dos Pescadores Artesanais e Agricultores Familiares do Estado de Santa Catarina; Relatório “Caracterização da pesca artesanal no Brasil” do Ministério da Pesca e Aquicultura. Artigo “A pesca artesanal na costa de Santa Catarina: uma análise das condições socioeconômicas dos pescadores” de Carlos Alberto F. Da Silva e Adriana Dantas Tomiozzo