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Audiência Pública em Garopaba: população cobra acesso ao Estudo Socioambiental

plano diretor Garopaba17.16.03 (2)
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A apresentação da proposta da Política Municipal de Meio Ambiente de Garopaba provocou  insatisfação da população, que esperava saber mais sobre o Estudo Socioambiental da cidade

O convite do Governo de Garopaba dizia: “Participe da audiência pública de apresentação da proposta da Política Municipal de Meio Ambiente (PMMA), uma ferramenta fundamental para o planejamento urbano sustentável do município”. O encontro realizado na noite de 8 de fevereiro, na Câmara Municipal de Vereadores, foi aguardado com ansiedade pela população, que lotou a sessão, reunindo mais de 150 pessoas na casa legislativa.

O motivo do interesse maior da comunidade, além de conhecer a PMMA, era conhecer o Estudo Técnico Socioambiental de Garopaba (ETSA), o documento que baseia a Lei da PMMA. O projeto da Lei é feito com base em legislações federais e estaduais, na Lei Orgânica do município, convertendo-se em um documento que pouco espaço dispõe para a participação popular, mas é criado a partir das necessidades apontadas pelo Estudo Técnico Socioambiental.

Suspense para a divulgação do Estudo e Diagnóstico Socioambiental de Garopaba

Em coletiva de imprensa transmitida ao vivo pelo Youtube realizada em 24 de outubro de 2022, o novo calendário do Plano Diretor de Garopaba foi apresentado, apontando a data 30 de novembro – do mesmo ano – para conclusão do Estudo Socioambiental de Garopaba e, posteriormente, a apresentação do documento aos cidadãos em Audiência Pública.

No mês de janeiro, o Governo de Garopaba fez o anúncio da Audiência Pública de 8 de fevereiro. Desde então, os cidadãos começaram uma busca da minuta da PMMA e do Estudo Técnico Socioambiental da cidade para entenderem os documentos e levar ideias para audiência. Mas os documentos não estavam disponíveis no site da Prefeitura, ou não foram encontrados pela maior parte da população.

“Eu só tive acesso ao documento através de um membro do Núcleo de Coordenação Compartilhada do Plano Diretor. Não tive tempo de ler 500 páginas de um documento super técnico. Esperava ver aqui um resumo para compreender e que a Prefeitura disponibilizasse o acesso à toda população. Estamos já há mais de uma hora lendo o projeto de lei o qual a maioria das pessoas aqui não está compreendendo”, explica a moradora do bairro Encantada, Priscila de Avila.

Comunidade usa o espaço da Audiência Pública para cobrar transparência

No momento de uso da tribuna durante a Audiência Pública, a comunidade teve seus previstos 3 minutos para contribuições. A maior parte das falas foi no sentido da carência de transparência no processo, que prevê participação popular.

Confira algumas das falas da noite:

“O Brasil é referência em legislação ambiental, CONAMA, Política Nacional do Meio Ambiente… Era para ser o lugar mais maravilhoso do mundo para se morar, com natureza por todos os lados.  Uma legislação é importante, mas não significa que o que está ali é o que vai ser feito. É muito importante que a gente esteja aqui e realmente leia esse documento. Em uma Audiência Pública, normalmente a gente faz um resumo executivo com uma linguagem acessível ao público, porque as pessoas entendendo ou não da área ambiental devem entender o que está escrito ali.
Bruna, Engenheira Ambiental, Mestre em Avaliação de Impactos Ambientais. 

“É fundamental quando a gente está falando de educação ambiental, que as pessoas entendam o que se está discutindo. A Prefeitura erra novamente ao escolher esse formato técnico, que acaba cansando as pessoas que estão aqui. A participação da população é muito importante, mas ela não pode ser resumida a uma única audiência pública. Isso precisa ser discutido nos bairros, nas comunidades, com tempo de médio a longo prazo. As pessoas não têm a cultura de participação aqui, é preciso criar essa cultura, e aí sim, começar a compreender o que se está sendo debatido. Se não, não tem como participar de fato, aí é só como se diz “para inglês ver”, só para assinar a lista de presença e dizer que aconteceu a audiência e teve a participação. Não teve a participação, vamos ser bem francos.”
Rodrigo de Oliveira, Jornalista e Ativista Socioambiental 

Anexo do ETSA de Garopaba

“Assim como vocês, vim ver o diagnóstico, os principais pontos que vocês iriam levantar. Como o principal instrumento para esta Política é o diagnóstico, hoje eu cheguei do trabalho, tive uma hora e meia para ler o documento e achei ele um pouco superficial, um compilado de informações. Entendo que o trabalho foi feito em pouco tempo, mas Garopaba é um lugar especial: tem praias, lagoas costeiras, rios, estuários, rios, falta de água, demanda de água de aquíferos e poucos aquíferos. Por essa complexidade ecológica, social e também a quantidade de serviços ecossistêmicos que esses ecossistemas nos provêm, eu acho que tem vários pontos que a gente precisa debater. Dentro os principais está a qualidade desta água. Quem aqui teve diarreia no último mês?

A qualidade de água no município não está boa; Santa Catarina inteira está tendo problema com a qualidade da água. É complicado a gente pegar o mapa e olhar para essas águas sem entender a qualidade desta água.”

Jorge, Geógrafo e morador do bairro Encantada

“Eu gostaria de saber como vai ser essa participação popular? Está dizendo, na própria minuta da Lei, que isto que estamos dizendo aqui vai ser considerado. Como? Por quem? Seremos informados se nossas contribuições são relevantes? Quando esta lei vier para votação nesta casa legislativa, o Estudo Socioambiental vai estar aprovado? Por quem? Como a comunidade vai ser ouvida? Quem vai designar a relevância deste conteúdo que será enviado por e-mail? Uma das referências do Estudo e da Lei é o IBGE. Não há um senso atualizado. A quantidade de habitantes da cidade está subdimensionada, então tudo que existe ali está subdimensionado.””
Jane Vilela, Gestora e Educadora Ambiental

Sobre o Estudo Técnico Socioambiental de Garopaba

O Estudo Técnico Socioambiental (ETSA), foi realizado pela Fundação Unisul e, segundo a administração municipal, contou ainda com os apontamentos do Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT), do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), e com as contribuições sugeridas pelo Núcleo de Coordenação Compartilhada (NCC).

O Núcleo de Coordenação Compartilhada foi criado pra compartilhar informações, ações e decisões sobre a revisão do P.D., com participação de entidades socioambientais e comunitárias, juntamente com outros setores da Prefeitura. Mas a crítica dos integrantes é que não há, de fato, participação. “Na prática, a Fundação Unisul não está compartilhando nenhuma decisão com os integrantes do NCC. Recebemos as informações e decisões da mesma forma que o resto da sociedade, pelas postagens da Prefeitura”, informa um dos representantes da sociedade civil e membro do NCC.

O prazo para considerações ao Estudo e Diagnóstico pela população é de 15 dias

Para conhecer o documento na íntegra, que traz, entre outras informações, cursos d’água, banhados e nascentes, o relevo e os mapas de localização de áreas de risco de deslizamentos, alagamentos e inundações, está disponível neste link

Confira alguns destaques do Prognóstico do Estudo Técnico Socioambiental de Garopaba:

“No município de Garopaba, ficou evidente que além do alto grau de canalização, retificação e tubulação do rio, a falta de esgotamento sanitário promove a piora da qualidade de água e remete aos perigos de balneabilidade.

Além disso, a geração de poluentes líquidos e resíduos sólidos diversos decorrentes da antropização aliado a falta de mata ciliar aproxima o processo de urbanização dos rios da bacia, ou seja, torna o ambiente cada vez mais vulnerável. Esta aproximação impossibilita que o ambiente em si preserve suas águas ocasionando na má qualidade das águas superficiais dificultando assim os processos como a sustentação da biodiversidade e a captação e tratamento de água para abastecimento público.”

A redução das áreas de preservação permanente às margens de cursos d’água podem gerar uma interferência também em questões de defesa civil. Com essa redução, a sociedade como um todo acaba se tornando mais vulnerável a eventos críticos, mesmo que isso não ocorra em áreas de riscos. Portanto é evidente que a presença de vegetação, aliada ao impedimento da ocupação de áreas próximas aos corpos hídricos e com declividades mais acentuadas, pode suavizar estes riscos.

Deste modo, dependendo da flexibilização da quantidade de mata ciliar obrigatória em torno dos corpos hídricos, poderá existir riscos ambientais gerados. Portanto é de extrema importância ambiental e social que o município estipule uma metragem de área de preservação permanente, considerando os pilares da sustentabilidade ambiental, mantendo a fiscalização, principalmente em relação ao não cumprimento da legislação e as ocupações irregulares.”

“Ressalta-se que o município deve realizar estudos para universalização do saneamento, visando a manutenção da saúde pública. Esta ação implica em atualização do Plano de Saneamento, especificamente a avaliação do atual sistema de abastecimento de água, do esgotamento sanitário, da drenagem urbana e da coleta e destinação dos resíduos sólidos.”

“Cabe destacar que grande parte do município está suscetível a riscos, geológicos e hidrogeológicos, o que implica na ordenação da ocupação urbana. Áreas de inundação, por exemplo, devem ser avaliadas com a adoção de regras especificas para a implantação das edificações.”

A população tem 15 dias para ler e enviar seus apontamentos para o e-mail dsagaropaba@gmail.com .

Em contato com a Saberes após a publicação da matéria, outras representantes da sociedade civil solicitaram a inclusão de seus pareceres sobre o documento.

Tão ou mais importante que estender o prazo é a discussão ampla e participativa desse documento, fundamental para a revisão do Plano Diretor e para a proteção ambiental de nossa cidade.

O argumento de que é um documento técnico para não possibilitar essa discussão e melhorias NÃO é justificativa. Os maiores e melhores centros técnicos e científicos do mundo, inclusive do Brasil e de SC, trabalham com pesquisas e diagnósticos participativos há décadas porque reconhecem que a ciência e a tecnologia não são neutras nem objetivas, especialmente nas áreas humanas, sociais e ambientais.

Precisamos juntar as várias experiências acadêmicas, áreas de conhecimento, especialidades técnicas e saberes locais para construir participativamente este trabalho. Passamos dias lendo esse material e a maioria das avaliações indicam que é um trabalho inicial de revisão de literatura, baseado em dados secundários, desatualizados, com muitas lacunas, generalidades, imprecisões e superficialidades.

No próprio NCC temos muitos técnicos e representantes comunitários que conhecem bem os ecosistemas locais. Queremos discutir e contribuir na construção coletiva desse trabalho, mas para isso precisamos ter oportunidades.

A chamada para a audiência pública anunciava a apresentação do diagnóstico, o que não aconteceu. Precisamos abrir espaço para essa discussão. Espero que isso possa acontecer.
Sergio Leite G. Pinheiro, Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA)

—- Matéria publicada em 10/02/23 às 18:20 – Atualização em 11/02/23 às 07:06

Por Glaucia Rosa Damazio
Jornalista