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Pesca artesanal e farinha de mandioca são temas da Roda de Conversa em Ibiraquera

Tradições Regionais - Saberes da Praia
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Um pequeno público escutou atentamente aos saberes ancestrais da pesca artesanal, do plantio da mandioca e do preparo da farinha, práticas culturais da comunidade de Ibiraquera, em Imbituba (SC). Conforme iam trazendo histórias antigas, a plateia ia contribuindo, resgatando em sua memória a relação afetiva com a agricultura familiar, com a Lagoa de Ibiraquera, que na verdade é uma laguna, com os processos de fazer farinha, beiju, bijajica, com seus diferentes nomes e receitas.

Tradições Regionais: debate e informação em Ibiraquera

Dona Cecê, ou Lucenir Marques Gonçalves, como consta na primeira carteira profissional de pesca de Ibiraquera, de 1982, documento que levou consigo, foi quem trouxe os saberes da pesca artesanal de tarrafa.

Dona Cecê

A paixão pela pesca é tão grande que ela entra madrugada adentro pescando pela costa da Lagoa do Saco, sempre em oração. Ela aponta as mudanças que presenciou no ecossistema depois da grande ocupação urbana nos entornos da Lagoa. “Antigamente eu andava por essa lagoa e a areia no fundo era durinha. Hoje em dia tem quase meio metro de lodo, preto, fedorento. Sem contar os peixes, que estão se sumindo!”

Em seguida, foram os saberes da família Gonçalves trazidos pelo Everaldo, filho de Santina e Francisco Irineu Gonçalves (em memória), nativos da região de Ibiraquera.

Thainá, Everaldo e Glaucia

Ele e os nove irmãos mantêm viva a tradição da farinhada no engenho da família. No ano passado foram 20 sacos de 45kg de farinha, que foram distribuídos entre os irmãos e todos que ajudaram no processo.

Everaldo detalhou com riqueza o processo de antigamente, muito parecido com o que é feito ainda hoje, porém com ajuda da energia elétrica para processos como mexer a farinha no forno. E dali já começaram as receitas variadas que levam a farinha ou o polvilho, uma rica troca entre convidados e a plateia. Entre os maiores desafios que Everaldo e outros farinheiros da região encontram estão a falta de terras para continuar plantando a mandioca. “Pra ter farinha, alguém tem que plantar. Tem que ter terra pra isso. Hoje em dia, é tudo construído. E tem que esperar, tem mandioca de um ano e mandioca de dois anos!”

Leia também: Cooperação e Regeneração: horta comunitária em Ibiraquera

Seguindo na roda, a escritora e pesquisadora Rosa Maria Teixeira Jerônimo. Entre suas especialidades está a escuta para transmitir e eternizar histórias como estas nos livros que publica.

Rosa Maria Teixeira

Autora de Viver em Imbituba: Terrafilia Nativa, Cultura e Natureza em Ibiraquera: poesia e conflitos  e Topofilia em uma comunidade tradicional, Rosa rememorou histórias da sua e das tantas famílias que ouviu. E deixou um pedido: ouvir de dona Cecê a oração que a deixa segura ao andar pelas madrugadas silenciosas da Lagoa de Ibiraquera tarrafeando. 

As Armas de Cristo, oração ensinada pela parteira e benzedeira Maria Josina (em memória) foi escutada atentamente, emocionando presentes, como e encerrando a roda de conversa.”As tradições regionais são artes ancestrais as quais sabemos da importância, não só econômica mas também afetiva e que aos poucos estão se perdendo”, comenta Thainá Bernardoni, do Manifesto Why Not? e proponente do projeto.

Colaboração: a chave para o futuro das práticas culturais de Ibiraquera

Das muitas contribuições dos presentes, o destaque fica para a Analista de Políticas Globais Jéssica Dondoni, que trouxe estudos sobre a pesca artesanal, como o do explorador residente da National Geographic Enric Sala para o Voces en Acción da AcademiaBID. “Uma das razões pela qual os peixes estão diminuindo nas lagoas, como cita a dona Cecê, é o excesso de exploração. A cada 1 kg de camarão retirado do ecossistema, morrem 10kg de peixe. Por isso, é importante que preservemos cerca de 30% das áreas, para que os peixes e outros animais marinhos possam se reproduzir. Um peixe criado numa região explorada produz cerca de 25 mil ovos, numa reserva marinha ele produz 5 milhões”

Jéssica também falou sobre o Termo Territorial Coletivo (TTC), um instrumento para viabilizar o uso de terras para atividades tradicionais, como o plantio de mandiocas para a farinha de Everaldo e sua família.

“E sabe porquê tradições como estas estão morrendo? Porque as crianças e os jovens não são ensinados”, disse dona Terezinha Souza Fidelix, do alto de seus 92 anos, que acompanhava o evento. Sua sugestão foi acolhida pela professora e terapeuta Mirian Loureiro, que sugeriu inserir as temáticas tradicionais em seus projetos com os alunos da rede pública de ensino. 

Vindo diretamente da capital Paranaense da Mandioca, a cidade de Mandiocaba (PR), da família onde foi construída a primeira fábrica de farinha na região, Pedro José Antônio Silvestre relembrou a importância da raiz na história de sua comunidade. “Era tocada com a roda d’água até a chegada dos motores a diesel. “O interessante destes eventos é essa troca de informação, que consegue demonstrar a história para quem não viveu ela”, conta.

Os olhares para os modos tradicionais do passado e para os desafios do presente apontaram um caminho a ser percorrido para a manutenção das práticas tradicionais no futuro: a colaboração entre os diferentes saberes e fazeres.

Tradições Regionais: História, Arte e Cultura

Durante a conversa, que foi registrada para se tornar um mini documentário digital, o artista plástico Maurício Loureiro desenhava um painel trazendo elementos da cultura local. Na mesa, comidas típicas da região, como a Farofa de Banana produzida pela Keila Vieira e o bolo de aipim da dona Cecê encerraram o evento com muita integração e troca de saberes.

Saiba mais: Dona Adelaide, a benzedeira: amor, rezo e cura.

“A gente está falando de costumes ancestrais e que carregam um simbolismo afetivo para quem ainda cultiva e nem nos damos conta disso quando compramos um pacote de farinha no mercado, por exemplo”, comenta Thainá Bernardoni, uma das organizadoras do evento, juntamente com Glaucia Damazio, que aqui escreve a matéria. “A industrialização das coisas roubou não só o  espaço desses pequenos agricultores, como também a liberdade de fomentar e manter viva uma cultura que expressa tanta arte e riqueza”, encerra Thainá. 

“Foi uma tarde agradável ouvindo pessoas que trouxeram suas experiências de vida tanto na pesca como no plantio de mandioca. Trouxeram suas tristezas de que uma pescaria sem controle reflete na diminuição da espécie ou até mesmo sua extinção”, comenta Ana Carla Heisler, Sócia do Jornal Praia do Rosa, um dos organizadores do evento. “Sou apaixonada pela simplicidade desse povo, por aqueles que lutam, honram e respeitam o que a natureza nos proporciona.”

O projeto Tradições Regionais: debate e informação em Ibiraquera é vencedor do edital do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PROCULT) de Imbituba (SC) e contou com o apoio da Fertisanta e de muitos parceiros:

Saiba mais sobre as Tradições Regionais de Ibiraquera

Sobre os realizadores:

Duas iniciativas e um desejo: buscar soluções colaborativas através do diálogo para os desafios de convivência do turismo sustentável com as tradições regionais no ecossistema na região da Ibiraquera – Imbituba – Santa Catarina.

Sobre o Why Not?

O Why Not? é um movimento em prol da manifestação da arte. Seu principal intuito é estimular o debate coletivo sobre assuntos que permeiam e impactam a sociedade. 

“Acreditamos que cada ser humano possui conhecimento e potencialidades criativas a serem compartilhadas dentro do seu núcleo de convívio, as quais explicam, agregam e fomentam a cultura regional”, explica Thainá.

Saiba mais sobre o Why Not? 

Jornal PDR, à serviço da comunidade 

O Jornal Praia do Rosa, veículo impresso e digital quinzenal, circulou entre 2018 e 2020 pela cidade de Imbituba e região com a missão de “Promover o bem” na localidade. Buscou dar visibilidade às demandas da região de circulação, promovendo boas práticas públicas e privadas, alinhadas aos pilares do desenvolvimento sustentável: social, ambiental e econômico, valorizando a cultura da região e promovendo a conscientização do turismo em relação à preservação da natureza.

Co-realização: Saberes Comunicação e Sustentabilidade

Canal de comunicação independente pautado pela sustentabilidade. 

Créditos das Imagens: Isadora Mun, Lucas e Adriele Lima